Estou de volta para falar sobre um tema que nem sempre recebe a atenção necessária: como as crianças lidam com as emoções. Há alguns dias fiquei sabendo que o programa de novembro do Ciência Aberta – uma parceria da FAPESP com a Folha de São Paulo – foi sobre a depressão em jovens e adolescentes. O encontro teve a participação de diversos pesquisadores ligados à saúde mental, mas me chamou a atenção especialmente uma fala da Adriana Fóz, pesquisadora do Laboratório Interdisciplinar de Neurociências Clínicas da Unifesp.
“Se desde crianças as pessoas forem capazes de processar, entender e compreender melhor emoções, como tristeza, raiva e medo, elas terão muito mais clareza e condições para lidar com elas e, provavelmente, serão menos afetadas pelo estresse e outros sentimentos”
Essa é uma ideia muito importante e não só quando falamos de depressão! Crescer e amadurecer também significa aprender a expressar e lidar com os sentimentos. Saber sentir, por mais poético que possa parecer, é algo fundamental na nossa constituição como pessoas. Costumo dizer que esse é um processo que inclui quatro prerrogativas: nomear, acolher, validar e não distorcer.
Diariamente atendo muitas crianças e adolescentes e percebo que essa é uma questão que ainda precisa ser melhor trabalhada. Se os mais novinhos não tem filtro algum na hora de pedir as coisas – basta lembrar dos bebês e seus choros pelos mais variados motivos -, com o passar dos anos as crianças vão desenvolvendo algumas barreiras para expressar emoções e sentimentos. Por razões óbvias essas barreiras vão sendo impostas por outras pessoas, como por exemplo, a família, a escola e os amigos ou colegas. Não estou dizendo que esses filtros não sejam necessários, faz parte da convivência em sociedade e da boa educação e comportamento, mas digo sim que é necessário saber expressar o que se sente da maneira correta e não apenas “calar essa voz” e guardar em algum canto longínquo da nossa consciência ou do nosso subconsciente. Aí entram as prerrogativas citadas acima.
Começamos pelo nomear. É preciso nomear o que se sente e, embora pareça simples, não é! Uma sensação de frustração, por exemplo, pode ser traduzida como raiva ou tristeza. Não são sentimentos iguais e influenciam diretamente na forma como validamos o que estamos sentido. O validar é dizer: sim, estou sentindo isso ou aquilo e não há problema. Não é preciso calar essa voz. Já o acolher está diretamente ligado às ações que tomamos e que recebemos após nomearmos e validarmos um sentimento.
Vou dar um exemplo que contempla todas essas etapas: imaginemos uma criança que quer muito ir ao shopping naquela hora, mas que tem o desejo negado. Ela vai sentir raiva, tristeza ou outra emoção de frustração. É natural! Muitas vezes os pais vão dizer coisas como: não fique triste, não tenha raiva, não seja mal educado, etc. O sentido das frases é trazer conforto, mas também podem ser interpretadas como se aquela emoção ou sentimento fossem errados. Sentimentos são sempre válidos e merecem ser considerados! No caso citado acima, um jeito hipotético de tratar do tema seria dizer algo como: “sim, você está triste porque não vai ter o que gostaria (nomear) Eu entendo que você esteja chateado, eu também ficaria (validar). Agora, em vez de ir ao shopping, nós podemos brincar mais tarde com aquele seu jogo de tabuleiro, vai ser divertido!” (acolher).
Por fim, há ainda uma prerrogativa importante que é a do “não distorcer”. Creio ser muito importante que os pais e os educadores expliquem – na medida do possível – com sinceridade os motivos que os levam a tomar as decisões que tomam. Já soube de diversos casos de mães e pais que escondiam e inventavam motivos para a criança na hora de dizer aquele “não”. Embora sirva como estratégia para trazer conforto, criar uma situação que não é real pode afetar seriamente o desenvolvimento emocional dos pequenos. Ao fazer isso os pais/educadores não permitem o acolhimento e validação corretos dos sentimentos.
Escrever sobre é mais fácil do que fazer tudo isso. Eu sei e vocês sabem! Mas a caminhada se torna melhor quando sabemos para onde ir. No curto prazo pode não parecer, mas no longo prazo esse “aprender a sentir” faz uma enorme diferença na saúde mental, física e cognitiva dos nossos filhos.