Quem acompanha o Grupo Can no Instagram deve ter visto nos últimos dias alguns stories que fizemos com jogos e materiais aplicados nas sessões de algumas crianças que atendemos. Os mais atentos viram os nomes nas caixas desses jogos e não entenderam bulhufas! Tirando, é claro, aqueles que sabem falar russo 😆 !
Pois é! São jogos e materiais que vêm da Rússia e que não existem no Brasil! Mas por que da Rússia? Porque vem de lá uma das principais influências para o meu trabalho: os estudos, técnicas e métodos de Alexander Luria. Para quem não conhece, muitos o consideram o pai da neuropsicologia, que é o ramo da psicologia que estuda a relação entre a estrutura do cérebro e o comportamento.
Em linhas gerais, Alexander Luria estabeleceu que a base de todo o nosso desenvolvimento está na recepção de informações pelas nossas vias sensoriais e as respostas que damos para o mundo por meio da nossa parte motora. Seguir um objeto com os olhos, pegar algo com as mãos, dizer de onde veio determinado barulho, nos afastar de algo que cheira mal… Tudo isso são informações que recebemos pelas nossas vias sensoriais e respostas que damos por meio dos nossos movimentos, ações e fala. Esse processo é denominado de sensório-motor.
De acordo com Luria, o sensório-motor é a base da pirâmide para o desenvolvimento de todas as funções cognitivas superiores: linguagem, atenção, memória, etc. Assim, se houver prejuízos ou atrasos no desenvolvimento dessa nossa base sensório-motora, provavelmente haverá problemas no desenvolvimento das funções cognitivas superiores. A dificuldade da criança de não conseguir falar, por exemplo, pode estar na questão sensório-motora e não apenas na habilidade de comunicação e/ou articulação. Ou então um jovem com problemas de aprendizagem pode ter na verdade dificuldades de resposta motora ao que a visão dele percebe de uma lousa, por exemplo… E assim por diante.
A partir desses estudos, da prática diária e de experimentos, Alexander Luria conseguiu desenvolver um protocolo de habilitação neuropsicológica que determina quais são os trabalhos necessários para desenvolver funções que por ventura estejam comprometidas. É aí que entram exercícios como rastejar, se equilibrar, pular, etc. Eles compõe a primeira parte do protocolo e formam os alicerces para o trabalho das funções.
Já os joguinhos, citados no começo do post são a segunda parte do protocolo! Eles não foram criados pelo Luria, mas são os materiais que os profissionais que trabalharam com ele ou que foram alunos e alunas dele usam no dia a dia para realizar o treinamento das funções.
Podem parecer simples brincadeiras e joguinhos até despretensiosos, mas cada um deles faz um trabalho importantíssimo para que a criança trabalhe a interação entre recepção de estímulos, resposta motora e, consequentemente, tenha estimuladas as áreas do cérebro que servem de base para todas as outras funções!
Eu tive o imenso prazer de ter passado um tempo lá em Moscou para aprender diretamente com esses profissionais como funciona o protocolo e hoje digo com orgulho que faço um trabalho pioneiro de aplicação dessas ideias, conceitos e métodos aqui no Brasil. Por isso, quando virem uma caixa com letras estranhas ou um jogo que nunca souberam que existia, lembrem-se: não é um gosto peculiar da Juliana na hora de escolher uma atividade, mas sim um material para a habilitação neuropsicológica que vem direto do pessoal que trabalhou com o pai da neuropsicologia! 😛
Em um próximo post pretendo dar dicas de jogos equivalentes a esses e que conseguimos ter acesso aqui no Brasil e/ou materiais que até podemos fazer e adaptar.
OBS: Quem quiser saber mais sobre o protocolo Luria e neuropsicologia pode ler o livro “Neuropsicologia aplicada ao desenvolvimento humano” organizado pela Carla Anauate e pela Janna Glozman e que conta com três capítulos escritos por mim.